Em 25 de julho de 2015 por Jana Coimbra
Então, meus tios insistem em dizer que esse ano não vai ter barraca. O papo é antigo, quem conhece a família sabe: todo ano é assim. Maio nem bem começa e a decisão ecoa com ar definitivo de verdade, embasada por milhões de questões que fazem total sentido. Mas por sorte, a tradição, a garra e o brilho nos olhos da minha avó falam mais alto e, lá vamos nós, de mala e cuia, montar a “Barraca da Militza”.
2015 não foi diferente e fiquei esperando a ligação que iria me confortar como todas as outras vezes. Ainda fico, confesso. Mas a festa já começa domingo e agora não tem volta. O Paulão não desceu com as mesonas e toda a parafernália da fazenda. Ninguém me pediu para fazer cardápios, fichas, placas. Eu estou na minha sem atormentar a Dags para alugar máquina de frozen e investir em cartão de crédito e garçons. O caixa, o vigia, o churrasqueiro, os freezers, o forno emprestado do Breno… nada disso em movimento!
Dias desses, minha avó me ligou pedindo para escrever um “textinho” de agradecimento aos clientes dela durante esses quase 30 anos. Ela me disse coisas lindas, daquele jeitinho que só quem a conhece vai entender: – “A vovó queria agradecer de coração a cada um deles que nunca deixaram de me prestigiar. Eu vou sentir muita falta. Acho que contribuíamos com Carangola e todo ano enchíamos a Barraca com aquela vontade de que fosse diferente, com muita alegria, encontros, amor e companheirismo. Era isso o que eu mais gostava! Mas parece que as tradições de Carangola se perdem a cada dia. Você pode falar assim: meus carangolenses ausentes e presentes, também vou ficar muito triste por não estar com vocês, mas na vida tudo passa. Muito obrigada pela força, alegria e satisfação de sempre. Aos filhos e netos, obrigada por tudo também”, foi assim o pedido.
Eu estava de TPM, toda sentimental e desliguei o telefone aos prantos. Como pode ser tão linda? E é isso vó. Tudo isso! A Barraca era nossa casa compartilhada com gente querida que a gente gosta. Ninho de família, amigos e pura overdose de afeto. Uma felicidade nossa, particularmente nossa e dividida a todo instante. Num chopp aqui, um pedido ali e várias doses acolá.
Já disse outras vezes, mas a Exposição é o início da metade da minha história. Foi ali que o jornalista se apaixonou pela menina de pernas grossas e nasceu o amor entre meus avós paternos. Está cravado ali, em várias placas um pouquinho dos Lourenços, Machados, Magalhães, Limas… Morro de amores pelo contexto da Exposição. Sempre tem amigos novos dos meus pais para conhecer e altos reencontros com pessoas que morro de saudade. Desde novinha, quando Jandis marcava hora para eu chegar em casa, na exposição tudo podia. Ali eu respirava liberdade e podia voltar com minhas tias até tantas da madrugada. Achava isso o máximo! E realmente era, continuou sendo e quero guardar sempre os melhores sentimentos.
É que era tudo nosso, sabe? O lugar, o carinho, as histórias, as bebidas e, claro, as batatas. As madeiras que vinham da fazenda para delimitar nosso espaço, montar o balcão. Tudo feito à mão, por gente nossa. Tem também a saudade da Tia Fá que aperta todo ano mais um pouquinho quando chega a Exposição. Vez ou outra pego minha avó pensando nela e deixando a saudade escorrer nos olhos. Minutos depois ela se perde entre listas de supermercado e outros mil afazeres que faz questão de dar conta de tudo. (A gente fica tentando poupá-la do trabalho duro, mas por outro lado achamos lindo – e engraçado – ela fazer acontecer. Na semana da exposição, ela é jovem como as netas e todas as dores dela desaparecem).
Meu Deus! E esse ano não tem nada disso!
– “Pingo, sua batata está assando! O caldinho é do Cunha. Anota mais um whisky pro Fernandinho. Tio Nem, tem que contar ficha porque o cara do caixa está pedindo. Tio Miltão, três chopps! Renan, vem ajudar, cara! Tio Joca fica ali só no bem bom. Fecha aquela mesa ali ó. Gente, alguém precisa recolher as coisas na mesa. Claudinha, agiliza essa cozinha! Dá um chorinho nessa dose! Tia Má, o que essa garota está fazendo aqui na Barraca? Ow, entra aí, ajuda aqui um pouco! Caraca, alguém tem que trocar o barril! Raquel, me ajuda aqui? Jana, sai daí! Vó, acho que pode colocar mais tempero na batata. Priminhokinha, faz uma dose daquelas pra gente. Carol gosta mesmo é de ficar tirando o chopp pra paquerar “uns gato”. Acabou o gelo! Vinho pra tia Elaine. Pega a vodka do Pablo. Ei, a cerveja está congelando! A mesa de madeira está reservada para a Vaz. Cancela esse pedido. De quem é essa porção? Máfê, tem alguma coisa aí ainda? Vó, olha quem veio te ver! Tia Má, o bicho pegando e o Thi só vem aqui pegar bebida. Nosso ex-vô! Tem batata de quê? Sai da passagem gente! E aí? O que está achando do movimento? Aqui é onde está mais cheio. Amanhã vai melhorar! Velhinha, vai ali pra fora ficar com Maria Alice, minha filha. Isso aqui está uma bagunça!”.
Bagunça generalizada no coração de todos que entendem a nossa farra e, como ela mesma disse, compartilham nossa alegria. Abraço apertado, risadas eufóricas, conversas, empolgações, fotos. Ali era lugar de matar saudade para senti-la novamente na semana seguinte. Sorte a nossa! De saber brindar a vida assim, celebrando! Tá! Mas e aí? Qual vai ser desse ano? Pra onde eu vou? Eu, que me sentia a dona do pedaço com minhas primas, fazendo tudo o que a gente bem queria, fechando a exposição às 6h com batata reservada pra gente com todo carinho.
Então, dramas à parte, fato é que está tudo bagunçado aqui dentro. Um tanto de sentimento misturado com nostalgia e um livro enorme (cheio de histórias boas para contar) que combinação alguma de palavra descreve. Encarar a realidade sem todos esses valores sentimentais, openbar e openfood durante 7 dias, não é para qualquer um!
Meu muito obrigada ao Sindicato Rural pela maravilhosa gestão estilo ditadura militar. Boa sorte aos barraqueiros que mais uma vez se submeteram aos ABSURDOS que rodeiam a organização dessa festa linda, que eu amo! No mais é isso! Vai ter cerveja, tequila e todo mundo vai achar lindo do mesmo jeito (inclusive eu, de coração apertadinho e sem lugar!).
Claudia Ramalho Coletta
10 de junho de 2021
Maravilha de texto! Lendo-o pela segunda vez e relembrando os meus momentos nessa festa tão deliciosa!
MARIA MORANDO
3 de agosto de 2015
Belo texto, lindas fotos, deixa saudades, patrimônio cultura da cidade.
lauricy belletti
1 de agosto de 2015
Minha linda, que lindeza de texto! Beleza pura. Parabéns.
Agora me diga: a Militza não colocou a barraca este ano, por culpa do Sindicato?
NYDIA MERGH MURRER
27 de julho de 2015
maravilha, falou tudo e muito lindo.
È isso ai gente sem a BARRACA DA MILITZA PRA MIM NÃO TEM NADA.
POXA!!!!!!!!!!!!!!! maldade,
Claudia Ramalho Coletta
27 de julho de 2015
Dificil conter as lagrimas ao ler este lindo texto. A Barraca da Militza nao era so um lugar, era um estado de espirito, era estar em casa. Ai meu Deus, o que sera da Exposicao de Carangola sem aquele cantinho magico?
Danuza Hosken Magalhães Prevate
26 de julho de 2015
Tão intenso, tão verdadeiro, tão lindo. Não deixou passar nada inclusive a bronca no Sindicato, merecidíssima! E lá vamos nós prá nossa Expô, sem barraca da Militza mas de coração aberto e cheio de vontade de rever gente nossa. É hoje! Ass. Danuza
Amanda
25 de julho de 2015
Lindo, lindo! É de emocionar seu texto,parabéns. Realmente fará muita falta.
James Dean Sangy
25 de julho de 2015
Jana, parabéns pelo texto. Você expressa nele todo o sentimento da saudade de uma coisa boa. Infelizmente as tradições, as histórias estão se perdendo no tempo. Também em outros lugares deste mundo. Parece que todos, ou melhor, uma grande parte das pessoas estão mais preocupadas com o seu “eu”. É uma pena, pois a continuar assim, daqui uns tempos não teremos mais histórias e nem estórias para contar… Parabéns, mais uma vez, você expressou muito bem seu sentimento.
Maria Fernanda
25 de julho de 2015
Jana amei o texto, e eu tbm já estou com saudades de tudo isso. Bjsss
lululsnches
25 de julho de 2015
Minha gata, esta explicado seus comentários triste senti que estava acontecendo algo. Você é especial para mim quando li este texto lindo chorei sei o quanto vc lutava com todos por essa barraca. Mas n fique assim tudo passa quem sabe a próxima estaremos juntas beijos.
vanda martins
25 de julho de 2015
QUANTA COISA BOA A GENTE TÁ PERDENDO , DEPOIS DESDE TEXTO LINDO SÓ ME RESTA CHORAR.
Nath
25 de julho de 2015
Como você escreve bonito. É exatamente isso tudo. Vamos sentir muita falta. Ai que saudade!