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Crônicas

Versos de circunstância – Merchid Millen

Em 24 de dezembro de 2011 por Jana Coimbra

Cartas, cartões, dedicatórias, bilhetes, votos gerais. Escrever  para quem gosto, e também receber mensagens escritas por meus queridos companheiros de vida sempre tornaram minha existência um pouco mais doce. Afagos escritos sempre estiveram presentes no meu cotidiano, e hoje em dia, não querendo evocar nostalgia ou deprê, e já evocando, chego a sentir falta de receber as velhas cartas de papel, que fossem só lembretes, bilhetes, recados. Também sempre me agradaram os cartões estampados, aqueles das papelarias, mas sempre ressalvei que, além dos textos (por vezes bem cafoninhas) impressos neles, o remetente deveria escrever algo de próprio punho, lançar mão de algum sentimento através da tinta de sua caneta.

 

Nesse vidão de tantos lugares onde ancorei em temporadas mais ou menos longas, muitas vezes estando bem longe dos meus, pouca coisa me trouxe mais momentos de prazer do que a ansiedade de aguardar uma carta, uma resposta a uma carta enviada e, suprema delícia, a hora de recebê-las em minhas mãos e lê-las, sorvê-las, amá-las! Havia mesmo um ritual às vezes: dependendo da intensidade da espera da correspondência, ou da importância do remetente, eu era capaz de tomar até um banho antes de abrir o envelope, só pra sentar limpinho e leve numa cadeira e abrir orgasticamente a missiva – café fresco na xicrinha ao lado – e saborear os endereçamentos manuscritos primeiro, e só depois, bem devagarzinho, travar contato com a notícia sentida ali nas linhas lançadas manualmente por um missivista, ou uma missivista, em diversos graus de relação vida afora.

 

Embora cartas e correspondência certamente tenham servido (e até hoje sirvam) para conduzir notícias ruins, prefiro guardar na lembrança (e em velhas caixas de sapato), aquelas que trouxessem boas novas. Fosse carta ou cartão de uma namorada, um amigo, um parente, era também um prazer imaginar estas pessoas escrevendo – tentar sentir o que elas sentiam ao escrever, ao ler as delícias derramadas em folhas brancas, pautadas ou estampadas. Que coisa boa, uma carta. E também escrever para alguém: que prazer! Destilar sentimentos em palavras que poderiam acompanhar o destinatário vida afora, independente da qualidade do texto. Prazer também imaginar, enquanto se escreve, a reação do destinatário ao receber, ao ler, cada palavra, cada instante da leitura. Beleza pura.

 

A chegada da internet abalou geral no quesito correspondência, dada a facilidade do e-mail, dos chats e das mensagens em redes sociais. Show de bola, embora soe às vezes frio; em nada me despertam aqueles cards eletrônicos com mensagens bobinhas e vazias de sentimento verdadeiro. Mas não há de ser nada: há algum tempo li uma entrevista com um diretor da EBCT onde ele dizia que a internet não chegou a afetar significativamente a troca de cartas pelos correios. Pasmei: alguém ainda troca cartas? Ei, isto é uma ótima notícia. Pesquisas no Professor Google me indicam que apenas 35% da população do Brasil tem acesso a computadores ou à rede mundial de computadores. Não é exatamente uma boa notícia, mas não chega a ser mais incômoda do que uma outra notícia de contexto paralelo, a de que a tão maravilhosa carta social – aquela pela qual o cidadão só paga um centavo, desde que siga as regras da EBCT, como aquela de que o endereçamento tem que ser manuscrito e não impresso – venha sendo paulatinamente proibida em algumas agências filatélicas. Só algumas andam aceitando. Lamentável.

 

E, para além das grandes missivas, existe outra delícia de literatura: os versos de circunstância. Muitos livros já foram publicados com correspondências de pessoas famosas:  as cartas trocadas entre Fernando Sabino e Clarice Lispector, entre Fernando e Mário de Andrade. A correspondência de Vinicius de Moraes. A de Elizabeth Bishop, poeta norte-americana que viveu no Brasil. Recentemente tive o prazer de ser presenteado com um belíssimo livro: “Versos de Circunstância”, de Carlos Drummond de Andrade. Trata-se de uma coletânea organizada por Eucanaã Ferraz com o conteúdo de três cadernos manuscritos de Drummond, onde ele guardava sistematicamente os versos e as dedicatórias que distribuía pela vida. Trabalho lindo, documento da maior importância histórica.

 

Que tal estes versos contidos numa mensagem de natal, a propósito da importante data que se nos apresenta, enviada por Drummond a “Emanuel de Moraes e senhora”, onde o poeta provoca uma engenhosa cambalhota verbal para desencavar a rima:

 

“todos os natais / sejam de luz e de / prendas celestiais. / Se esta rima em ide / não é das dez mais, / nem por isso agride / as leis naturais […].”

 

Só ele podia fazer isso, hehehe.

 

Ou ainda a beleza destes votos de bom ano novo enviados à amiga Lucy Teixeira:

 

“Amiga Lucy, / bom seria se / o ano fosse bom, / todo em meigo tom, / como o desejamos. / Se assim é, pois vamos/ tecê-lo de rosa / e palma radiosa, / pelo pensamento,  / espalhado ao vento, / de união fraterna / da poesia eterna / à vida corrente: / carinhosamente”.

 

Que gênio. Que feliz Lucy Teixeira, digna de tão importante deferência. O livro publicado pela editora do Instituto Moreira Salles (www.ims.com.br) tem centenas destas pequenas pérolas reunidas e organizadas, inclusive, com as reproduções de cada folha contendo os versos manuscritos por Drummond.

 

Assim sendo, aproveito a carona dos versos de circunstância – neste caso, um trechinho de versos destinados a amigos do poeta – para expressar meus votos aos queridos convivas e pessoas do bem com quem divido deliciosamente esta encarnação:

 

“A todos, de coração, seja a vida um céu aberto”.

 

Seja, portanto, a vida de todos um céu aberto de onde chovam natais cada vez mais aconchegantes e anos novos cada vez mais repletos de realizações e boas energias.

 

Saúde e paz a todos, e que venha um feliz e vibrante 2012!

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  • usuario

    Hélen Queiroz

    4 de janeiro de 2012

    Chid,
    Acabo de ler sua crônica tão recomendada pela Jana e Elaine Azevedo…que linda! Compartilho esse sentimento maravilhoso, e ao mesmo tempo saudoso, com relação ao escrever e receber cartas. “Lê-las, amá-las, sorvê-las”… como vc, com tanta sensibilidade, descreveu. É mesmo “um raro prazer”!
    Que texto bonito, delicado, delineado com poesia e saudade. Vc escreve mto, meu caro!!! Concordo c Elaine quando, em seu belíssimo comentário (tanto qto o de Ludi e Walquinho!) disse que”sua pena é de ouro!”. Manya, uma vez mais, deve estar mto orgulhosa do irmão cronista.
    Parabéns! E q em 2012 vc nos brinde com tantos outros belos escritos!

  • usuario

    Elaine Azevedo

    4 de janeiro de 2012

    QUE MARAVILHA DE TEXTO! Meu amigo, a sua pena é de ouro! Que saudades de esperar o moço do correio. Tenho as minhas caixas em Carangola, com as minhas cartas guardadas, muitas são da June. Leio e as lágrimas brilham em minha alma. Saudade muita! Os registros estão lá, inscritos, perpetuados. Um tempo que não volta mais! E o engraçado que muita coisa ainda faz sentido para mim. Palavras atemporais! Eu e a Hélen, tínhamos esse propósito de escrever cartas, mas a tecnologia nos atropelou. Nós imaginávamos publicando um livro com as nossas cartas! KKKKKKKKKKKKS! Me lembrei de mais um livro: Cartas de Van Gogh a Théo. Beijo grande!
    “Há tantas pessoas, principalmente entre nossos amigos, que pensam que as palavras não são nada. Ao contrário, não é verdade. Saber dizer bem alguma coisa é tão interessante e tão difícil quanto pintar alguma coisa.” Vincent van Gogh a Emile Bernard, 19 de abril de 1888.

  • usuario

    Walker

    2 de janeiro de 2012

    Juiz de Fora (MG), 02 de Janeiro de 2012.

    Prezadíssimo amigo Merchid,

    Não lhe escrevo hoje com o clássico desejo de obter notícias suas. Não me compele o fato de escrever, saber como vai. Não, também não me move em lhe escrever, dizer como ando ou como passam os meus. Escrevo admirado. Linda crônica, não precisava ser manuscrita, selada ou desdobrada. Suas palavras transparentes como são, nos trazem notícias, cheiros e lembranças que não caberiam em nenhum envelope.

  • usuario

    ludimila beviláqua

    2 de janeiro de 2012

    clarice e sabino trocaram as cartas intituladas “cartas perto do coração”. acho que o lugar delas é aí mesmo. difícil desfazer de uma carta nas faxinas de fim de ano. elas têm efeito de documento, importantes demais, mesmo sem importâncias…e o que dizer das coleções aolescentes de papéis de carta? páginas e páginas arquivadas luxuosamente. aquele papel que só sairia da coleção por muito merecimento, por chegar perto demais do coração. como clarice e sabino…como cada um que leu e rascunhou um manuscrito virtual de lembranças e saudades. parabéns pela bela crônica! gosto muito do que escreve e de como escreve!

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