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Crônicas

Sobre as cinzas

Em 1 de novembro de 2015 por Rafael Fava Belúzio

Novamente, me proponho escrever uma resenha sobre uma obra de Mônica Pimentel. Esse ano é a terceira. A quinta ao todo. Com isso gostaria de dizer sobre a importância da autora para a literatura carangolense. É quem mais publica livro por aqui. Ainda que as obras possam, qualitativamente, oscilar, Mônica é, publicamente, vista como escritora. Esse posto, infelizmente, não é o mais respeitado por políticos e instituições. Autores não recebem os prêmios que deveriam. A Câmara Municipal faz listas e listas de menções de aplausos, muitas delas dedicadas a virtudes um tanto questionáveis, muito influenciadas por interesses poliqueiros. Prêmios de “destaque do ano” também são distribuídos na cidade a partir de critérios novamente discutíveis, afinal, quem destaca quem? E Mônica, e outros autores, nunca são sequer lembrados – não existe prêmio para autor destaque. A Universidade, as escolas, essas instituições também não zelam muito por nossos autores, não estudam suas obras, ou praticamente não o fazem. Ainda assim, Mônica, como José, de Drummond, segue publicando, (quase) sozinha no escuro.

Nesse contexto literário bastante cinzento, “Sobre as cinzas” é um livro que tenta olhar para fora da cidade. Nasceu um pouco do desejo da autora ser reconhecida fora daqui. Por isso sua vinculação à Editora Novo Romance, de São Paulo, empresa pela qual também publicou uma segunda edição de Zhoe e o pássaro. O perfil da editora em si também diz muito sobre o livro: Novo Romance, já extinta, procurou publicar obras que pudessem se tornar best-sellers e que, para isso, apresentassem textos sem clara delimitação de tempo e espaço, sem tanta profundidade literária e psicológica, buscando um público massificado, sem grande formação intelectual, ávido por frases de efeito. Nesse sentido, o livro vai um pouco contra a inicial busca de mineiridade vista no primeiro livro de Mônica Pimentel, Minas, eu te amo. Em certa medida, escapa também da perspectiva abertamente católica-carismática do segundo livro, Um último olhar. Além disso, Sobre as cinzas é obra mais adulta, não mais uma literatura infantil de perspectiva um pouco existencialista, como acontecia com Zhoe e o pássaro – embora a segunda edição desse livro tenha também sido encaixada na proposta da Novo Romance – e Luisa e Arthur.

Em seu quinto livro, Mônica Pimentel constrói muito bem o tempo da narrativa, articulando, simultaneamente, duas tramas convergentes, bem divididas por meio da fragmentação do livro em capítulos. Em um plano, estão Alice e Helena, duas amigas que se apaixonam por Lui. Mas será Helena quem se casará com o mocinho e terá com ele uma filha, Sophia. Em outro plano, estão Alice e Ágata, duas mulheres que tentarão adotar Sophia, após a morte de Helena e Lui, pois estes dois viraram cinzas em um acidente de carro. Sobre as cinzas vividas por Alice o livro de Mônica Pimentel irá se erguer.

A cor, realçada no título e no começo do livro, dá certa nota melancólica à obra. Logo nas primeiras linhas estão um “lugar cinza” e uma senhora “grisalha”. Bem depois, os corpos carbonizados, as tristezas de Alice. A construção de alguns ambientes segue esse mesmo prisma atrabiliário, de maneira que a autora faz uso de elementos ligados ao universo antigo e medieval, ou de Hipócrates a Marsílio Ficino, elementos relacionados à ideia de melancolia. Como no seguinte trecho: “Era um dia triste do mês de Maio, desses com folhas secas pelo chão, vento frio no rosto, solidão forçada pela nostalgia da estação. Alice notou que uma moça chorava sozinha no banco da igreja matriz de sua pequena cidade”.

A pequena cidade, que está no centro dos acontecimentos, sempre fico tentado a relacionar com Carangola. Ainda que seguindo certa homogeneização, certa tentativa de apagar particularidades espaço-temporais, Sobre as cinzas sugira uma cidadezinha qualquer, escondida sob o verde das montanhas, dona de igreja matriz com pilastras, praça, Café Livraria (Café Mixirica?), encontro religioso de jovens (como o EJC tão conhecido por Mônica Pimentel), triangulação entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Essas características são partilhadas pela cidade de papel e pela cidade de paralelepípedos onde vive a escritora. As cenas descritas, o ambiente de amizades ligadas à vivência religiosa, a importância dada pelas jovens de encontros católicos a casamentos… tudo isso remete, de alguma maneira, a Carangola.

No entanto, a fala das personagens escapa um pouco disso. Tendem ao universal do português brasileiro, mais uma vez sob a lógica da cultura de massas. O discurso oral das personagens, apesar disso, por vezes está travado por ênclises, o que destoa da fluidez geral das falas. Muitas delas são bem construídas, capazes de serem ditas por quaisquer pessoas que, na vida comum, correspondam aos sujeitos-ficcionais do livro. Mas há sim, em determinados momentos, uma ênclise artificial demais, inverossímil. Não de inverossimilhança conscientemente buscada. Esse problema na colocação pronominal mereceria uma pequena revisão. Bem como uma vírgula ou outra colocada indevidamente. Mas são problemas pontuais. Não chegam a comprometer o livro como um todo e poderiam ser retrabalhados em uma segunda edição.

Porque o livro merece sim uma segunda edição. É uma obra interessante, está bem dentro da literatura de Mônica Pimentel. Curioso que a autora sempre me pediu para não resenhar essa produção – e é sempre curioso o modo como os escritores e os críticos constroem suas relações –, nem mesmo me pediu vistas antes de enviar para a editora, como fez com outros livros. Mas penso que tenha sido receio excessivo. Alguns temas de Sobre a cinzas já estavam em outras obras da autora e aqui seguem a sua reflexão.

Um desses temas é a morte. Aquela mesma que apareceu no “Embalando Coralina” de Minas, eu te amo. Reapareceu com grande importância em Zhoe e o pássaro. Foi transformada em metáfora, em Luisa e Arthur. A morte, não só a de Helena e Lui, é um tema fundamental desse Sobre as cinzas. Está nos relacionamentos amorosos que acabam, nas amizades que terminam, nos crepúsculos, no Maio outonal, no spleen. Nesse sentido, contudo, a obra está mais ligada ao luto do que à melancolia. As duas são muito próximas, já havia dito Freud. Porém, se em ambas há um objeto perdido, na melancolia não reconhecemos o que foi que se perdeu, ao passo que no luto sabemos sobre o que reclinamos a dor de nossa perda: seja a tristeza pelo falecimento dos pais, seja a tristeza pelo casamento que se tornou impossível.

Morte, melancolia, cidade, tudo isso com certo lirismo. São esses temas importantes na literatura de Mônica Pimentel. Mas também de outros autores da tradição brasileira. Destaco, em particular, Manuel Bandeira. Acredito que algumas considerações de Davi Arrigucci Jr. sobre Bandeira, presentes no estudo Humildade, paixão e morte, serviriam para ajudar o leitor a compreender a produção de Mônica Pimentel. Claro que é preciso dosar a importância dos autores. É preciso, ainda, pensar em que medida esse diálogo possível não está mais no plano da coincidência do que no plano da influência. A escritora carangolense não costuma citar o poeta do Recife. As influências visíveis em Sobre as cinzas são outras, não passam, pelo menos explicitamente, pelo autor de A cinza das horas.

Chama mais a atenção é a influência de Machado de Assis, quando, logo na abertura, o livro aqui resenhado parece se aproximar da literatura do Bruxo do Cosme Velho em oposição à escrita por William Shakespeare: “A vida não é uma obra [shakespeariana], cujo destino caminha para o desfecho perfeito, seja ele trágico ou cômico. A vida é bem mais machadiana, com sua ironia e realismo, deixando no ar a dúvida do que poderia ter sido, do que é ou do que será. A eterna dúvida em [Dom Casmurro]”. Nessa reflexão sobre a vida talvez coubesse aquela bandeiriana dizendo sobre “aquilo que poderia ter sido e que não foi”, além de Mônica Pimentel ter grafado “shakespeariana” incorretamente e esquecido de utilizar itálico no título do livro de Machado de Assis – reclamações que devem ser estendidas à revisora. De todo modo, esse apreço pela trama de Bentinho, Capitu e Escobar parece mesmo ter influenciado a trama de Alice, Lui e Helena, sem falar que sobre Ezequiel pairam dúvidas; sobre Sophia, cinzas.

Além disso, enquanto Dom Casmurro é um romance, Sobre as cinzas trato como novela. Embora a ficha catalográfica elaborada pela Editora Novo Romance marque a obra como o gênero de mais folhas, o livro de cerca de cem páginas em versão pocket contém uma trama que concentra o tempo e o espaço, e apresenta poucos personagens e de densidade psicológica um tanto limitada, marcas típicas de novelas. Os momentos em que a psicologia parece mais aguçada estão nos diálogos tensos, especialmente entre Helena e Alice. Não chega a haver uma complexidade machadiana na construção dos caracteres. Mas Alice, longe demais do país das maravilhas, e Helena, distante de Tróia, elaboram boa parte de suas subjetividades a partir dos atritos.

Os diálogos entre personagens são mesmo marcantes. Proporcionalmente menos numerosos do que em Luisa e Arthur, por exemplo. Mas talvez melhor trabalhados. No livro em que as crianças conversavam muito, havia uma nuance excessivamente adulta nas falas, tendendo para o inverossímil. Mas nas duas obras, e, em geral, em todas as narrativas de Mônica Pimentel, o diálogo está dentro da organização textual de um narrador onisciente. Não segue, portanto, a primeira pessoa machadiana. Quem fala não é Alice, assim como falaram Bento Santiago, Bentinho e Casmurro – inclusive a personagem de Mônica Pimentel não é tão complexa quanto esse(s) narrador(es). Está, talvez, mais próximo da fala do sujeito-lírico de Manuel Bandeira. As frases são curtas, por vezes lembram versos.

São também repletas de metáforas com a natureza. Ela é amiga, confidente, interage com os sentimentos das personagens, principalmente com as quedas melancólicas/lutuosas de Alice. Nesse particular, Mônica Pimentel lembra muito uma referência constante em seus textos, o Clube da Esquina. Em Sobre as cinzas chega a citar a letra de “Caçador de mim”. Se lembro, sob esse prisma, o disco clássico de 1972, Milton Nascimento e Lô Borges salpicaram as letras com referências a canções do vento, girassóis que tem a cor do cabelo, flores mórbidas, boca da noite com gosto de sol. Se formos mais longe, talvez cheguemos, na verdade, ao Romantismo. Nesse movimento já estava a ideia do personagem dialogar com a Natureza, mocinhas lacrimosas vendo o crepúsculo. Sem falar no triângulo amoroso e no final artificial – o happy end para satisfazer o público leitor – outras marcas de Sobre as cinzas e de livros como os de José de Alencar.

E o público leitor parece ter gostado desse modelo. Na internet não faltam resenhas de “críticos” pouco apurados. O que falta, na verdade, é um estudo de fôlego sobre a obra de Mônica Pimentel. Essa minha resenha não consegue preencher essa lacuna, que exigiria um trabalho monográfico, detalhamentos. De todo modo, torço ainda para que a literatura feita em Carangola e região possa ganhar o interesse dos alunos de Letras, já que o interesse dos políticos parece mesmo não estar em questões culturais.

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