Em 17 de setembro de 2010 por Jana Coimbra
Quebrangulo, cidade às margens do Rio Paraíba onde nasceu o escritor Graciliano Ramos, foi açoitada pela fúria das águas em Alagoas no início do inverno de 2010. Uma contradição na terra natal do autor de Vidas Secas. Estradas, ruas, vidas alagadas.
Estive lá alguns dias depois da enchente meteórica que arrastou casas, animais, geladeiras, pontes, pessoas… Com tudo isso, foram arrastados também paralelepípedos e sonhos, trilhos e sorrisos, árvores e alegrias. Nesse cenário desolador de lama e caos, na tentativa de levar algum alento, fui ao encontro de dezenas de crianças atendidas por um programa de erradicação do trabalho infantil.
Cheguei lá através da equipe Cidadania e Justiça da Escola Superior da Magistratura de Alagoas, ESMAL. Meu instrumento de trabalho: literatura. Minha missão: ler contos e poemas para os meninos da terra de Graciliano. Não eram exatamente os meninos pelados da terra inventada na ficção pelo escritor alagoano, mas sim crianças desabrigadas, de vida e alma enlamaçadas pela chuva impiedosa.
Imaginava que seria difícil conectá-los a algo que naquele momento parecia dispensável, já que não tinham nem mesmo onde morar. Mas como a vida é feita de assombros e sonhos, os meninos e meninas da terra de Graciliano renderam-se ao universo literário, instantaneamente. E durante algumas horas, como na ficção, o improvável aconteceu. Até mesmo aqueles que ainda não sabiam ler, ouviram histórias, falaram poemas, desenharam e festejaram a vida brincando com palavras, como merece toda e qualquer criança desse país.
No sarau proposto para o encerramento das atividades, muitos deles desejaram ler poemas para os outros colegas. Foi aí então que uma imensa roda de poesia regeu a tarde naquele lugar tão dolorido do interior alagoano. Por alguns instantes, todos eles mergulharam no mundo das rimas, aliterações, metáforas… todos eles beberam da fonte lírica dos poetas brasileiros.
Fiquei imaginando… Quem sabe, dentre aqueles meninos e meninas de Quebrangulo não existam alguns que possam seguir as veredas literárias de Graciliano?
Como seria bom se lhes fosse dado o direito de descobrir o quanto a literatura é transformadora… Torço por isso, pois exercer cidadania e justiça, aos meus olhos de educadora e poeta, é também propiciar a todos “pão e poesia”, pois como nos ensina Neruda: A poesia é sempre um ato de paz.
Acredito que tenhamos levado um pouco de paz a essas crianças naquela tarde de inverno em Quebrangulo, porém sabemos que muito ainda pode e deve ser feito por toda essa gente… durante todas as estações da vida.
Hélen Queiroz
julho de 2010
Amaro Bento Vaz Filho
4 de outubro de 2010
Querida Hélen,
Seu texto me leva, como dizem, de volta ao passado. Em 1976 fui trabalhar em Batalha(AL) e ,frequentemente, viajava pra Palmeiras dos Índios, passando por Quebrangulo-cidade das pinhas-, onde visitava a familia do Diretor Técnico da empresa, que é sobrinho de Graciliano. De Seu Clóvis, irmão de Graciliano, ouvia histórias fantásticas do irmão famoso, tive contato com muitas lembranças de Graciliano,etc…
Se às crianças de Quebrangulo você levou a paz, ao meu coração você trouxe bons e maravilhosos momentos.
Um beijão minha poeta preferida,
Amaro