Em 25 de junho de 2011 por Jana Coimbra
Há poucas semanas, fiquei estarrecida com a declaração de um jovem milionário brasileiro. Este, bem nascido e sucedido nos mundo dos negócios, herdeiro de um verdadeiro império, afirmara, com absoluta naturalidade, que nunca havia lido um livro inteiro em toda sua vida – vida esta de quase duas décadas, diga-se de passagem.
Eu, poeta e professora, com quase quatro décadas completas e mais de 24 anos dedicados à Educação e à formação de leitores literários, confesso que fiquei, além de estupefata, profundamente mobilizada com tal declaração. O rapaz tocou em uma das feridas narcísicas do nosso país que, em pleno século XXI, apesar de algumas mudanças econômicas nos últimos tempos, ainda é um país com milhões de analfabetos e outros tantos milhões de alfabetos funcionais. É pra se pensar.
A questão da difusão da leitura em nosso país remonta a uma complexidade histórica. Ao longo dos primeiros séculos de colonização portuguesa e nos anos do período imperial, a leitura, especialmente a literária, foi elitizada e destinada a poucos. Ainda nos primeiros anos do século XX éramos “uma República ainda sem livros nem leitores”, como afirmam alguns historiadores.
Ao trazermos a discussão da leitura no Brasil para os séculos XX e XXI, apesar de consideráveis alterações no que diz respeito ao repertório literário e publicação de autores brasileiros, é possível encontrar semelhanças entre questões passadas e atuais sobre a democratização da leitura em todas as regiões brasileiras. Os dados estatísticos sobre níveis de leitura, consumo do artefato livro e leitura literária são ainda frustrantes para um país que se pretende leitor. De acordo com o último estudo realizado pelo Instituto Pró-Livro (IPL), o brasileiro – com mais de 5 anos de idade – lê em média 4,7 livros por ano, sendo que neste dado constam também os livros indicados pela escola, sem eles, o índice de leitura espontânea é muito inferior, de apenas 1,3 livros em média por ano.
É fato que uma política de livro e leitura vendo sendo desenvolvida através do Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL) visando a ampliação da capacidade de consumo da leitura em todas as dimensões dessa expressão. Porém, como o próprio PNLL afirma, nosso país está longe dos índices de leitura alcançados pelos países mais desenvolvidos devido a fatores como rede reduzida de bibliotecas, déficit de livrarias e acesso ao livro concentrado nas mãos de apenas 20% da população. Em países como França e Suécia, onde a educação é ponto crucial das políticas governamentais e a leitura faz parte de uma concepção e tradição familiares, a média de livros lidos por leitor ao ano é, respectivamente, 11/15 livros. Até mesmo os vizinhos sul-americanos Argentina e Uruguai (4,0) superam o índice de leitura no Brasil (3,7 livros por leitor/ano). Nota-se, portanto, que a herança sócio-cultural garantida em outros países não somente pelas famílias, mas também pela estrutura político-educacional, lamentavelmente, ainda não se configurou em terras brasileiras.
Temos clareza de que uma mudança radical nesse cenário muito depende dos governantes das esferas federal, estadual e municipal, pois afinal de contas são eleitos para resolver as questões de saúde, educação e cultura, entre tantas outras. Porém, é importante que cada um de nós, amantes da literatura, também façamos a nossa parte. Se cada cidadão que se diverte lendo poemas, contos, crônicas e romances, contagiar alguém, uma pessoa sequer, ou mesmo uma multidão, seja recitando poesia nas praças ou janelas, seja contando histórias à beira das fogueiras ou no aconchego de casa, seja emprestando livros amarelados ou presenteando com o último lançamento do nosso autor preferido, nós estaremos contribuindo para que nosso país seja diferente. E para melhor, não tenham dúvidas, pois o letramento literário entendido como acesso à dimensão cultural e estética da escrita, possibilita diversas leituras que extrapolam o próprio texto. A partir do universo ficcional o sujeito é capaz de sentir, se emocionar, imaginar, correlacionar, criar, recriar, transgredir, conhecer, construir, desconstruir, elaborar, resignificar imagens e sensações, ideias e conceitos, sonhos e verdades e, dessa forma, apropriar-se do universo que o cerca e, sobretudo, de si mesmo. Através do texto literário é possível se constituir como sujeito e desvelar o mundo, pois o jogo ficcional de uma narrativa ou jogo metafórico e sonoro da poesia, por exemplo, proporciona ao leitor a experiência lúdica, o contato com o simbólico, o distanciamento do real, o exercício da abstração e, ao mesmo tempo, a observação e sistematização das experiências humanas. Assim, transitando entre o imaginário e o real, experimentando deslocamentos metafóricos e a alteridade no universo ficcional, a criança descobre os múltiplos significados da experiência humana, se fortalece emocionalmente elaborando seus dramas existenciais, exercita a expressão verbal e gestual, dilata seu domínio lingüístico, amplia suas possibilidades intelectuais e se estrutura socialmente como sujeito capaz de interagir e alterar seu tempo e espaço.
Acredito que esses sejam motivos suficientes para desejarmos e lutarmos por um país leitor! Sejamos disseminadores desse sonho, pois como disse nosso caríssimo Niemeyer, é preciso sonhar para que algo se torne possível!
Hélen Queiroz
schirleia
25 de agosto de 2011
Querida Queirozzz!!
Parabéns pela crônica!!! Parabéns tb pelo seu trabalho de educadora, de poetisa e admiravemente amante da leitura!!! Parabéééénss!!!
sua amiga/irmã.
Shizinha
Adams
29 de julho de 2011
Realmente Hélen, é imprescindível este transito entre o imaginário e o real. Saudade…
ludimila
3 de julho de 2011
minha comadre, temos motivos mais que suficientes para “desejarmos e lutarmos por um país leitor”, acreditamos juntas nesses motivos, são reais e fundamentais para nós. experimentamos a “carne das palavras” , tatuamos nela como em papiro… um vício, concreto como a “poesia de arame”. admirável sua crônica, comadre!